A sede de candidatura distrital de Manuel Alegre está aberta a todos os que queiram participar nesta campanha presidencial.

Opinião



por Rui Namorado in O Grande Zoo


1.    A campanha eleitoral para a Presidência da República foi incendiada pela questão do BPN, ou melhor pela reacção desastrada de Cavaco Silva a uma interpelação que lhe foi dirigida num debate televisivo. De facto, imprudentemente, achou que lhe cabia desferir um contra-ataque, descarregando as culpas, quanto aos prejuízos sofridos pelo erário público, sobre os gestores que foram encarregados de colmatar o buraco financeiro aberto pelos anteriores responsáveis pelo banco e omitindo qualquer reparo às vigarices que abriram esse buraco.

Foi um comportamento esquisito que fez naturalmente lembrar que Cavaco obtivera relevantes mais valias num negócio de acções de uma sociedade titular desse Banco.
Levantada a lebre, seria irrealista alguém imaginar que ela pudesse não ser corrida por completo.

2. Assim está a acontecer. Por detrás da primeira vaga de alaridos e de contra-alaridos, após alguns esclarecimentos tardios, arrancados a ferros, continuam por clarificar algumas questões decisivas.

Alguém aconselhou Cavaco a vender as acções num determinado momento? Se sim, porquê? Se não, por que razão resolveu vendê-las ? Vendeu apenas estas acções ou vendeu também outras que tinha noutros bancos ? Se sim, porquê?

Uma vez que o preço das acções foi determinado administrativamente, dado que as acções não estavam cotadas na Bolsa, não lhe passou pela cabeça que mais-valias assim, tão vultuosas em tão pouco tempo, podiam representar uma lesão dos interesses gerais da sociedade, se estivessem ao alcance de quaisquer accionistas ou um favorecimento pessoal, se elas fossem particularmente vultuosas apenas no seu caso ? Tendo sido noticiado que houve outras vendas de acções em que foram praticados preços semelhantes, àqueles de que beneficiou, continua sem se saber se na compra de acções Cavaco também pagou um preço semelhante ao que foi pago por outros accionistas na mesma época.

Mas, neste caso, é decisivo saber-se se os preços praticados foram espelho do valor económico real das acções ou um episódio que se traduziu num dano para a sociedade, provocado por um benefício injustificado assim outorgado a alguns accionistas. De facto, se o favorecimento pessoal é ética e politicamente reprovável, neste caso, ter-se-á que apurar também se, para além dele, o colectivo dos accionistas, ou uma parte dele, não infringiu a deontologia empresarial ou a lei, lesando os interesses da sociedade, em si própria.

É que está em causa, como facto já comprovado, um buraco de milhões e milhões de euros provocado pela gestão dos mesmos responsáveis que fixaram os preços das acções , o que acabou por se traduzir numa grave lesão do erário público.

O natural teria sido pois que Cavaco, no seu próprio interesse, tivesse respondido prontamente e com naturalidade a todas as questões levantadas. De facto, se tudo correu normalmente com ponderação equilibrada dos interesses da sociedade e de todo os accionistas, teria sido muito mais uma conveniência de Cavaco, do que uma exigência fosse de quem fosse, esclarecer tudo por completo logo que a questão foi levantada.

Poderá alguém alegar que Cavaco, imbuído de uma pureza quase angélica, estava tão longe de se imaginar sequer a cometer qualquer acção menos clara, que nem sequer admitia responder a quaisquer questões, mesmo para desfazer eventuais suspeitas, já que estas, por si sós, o indignavam. Ora, mesmo que em tese se pudesse aceitar que uma virtude tão funda se manifestasse legitimamente desse modo, o que não seria pacífico, neste caso, dadas as circunstâncias que o envolvem, nunca se poderia aceitar um tal silêncio por mais angélico e sincero que fosse.

Na verdade, tudo leva a crer que no caso do BPN estejamos, não só perante uma cadeia de actos fraudulentos, mas também perante um projecto construído de raiz com o objectivo central de agir sem respeito pela legalidade, em benefício de um grupo. Nesse projecto, tiveram funções liderantes figuras destacadas do que foi o cavaquismo, algumas das quais mantiveram depois relações políticas públicas com Cavaco. Todo esse processo, actualmente sob a alçada dos tribunais, se traduziu num enorme prejuízo para o erário público português, na sequência de comportamentos dos seus responsáveis que, tudo o indica, foram eticamente reprováveis e estão em vias de sofrer uma reprovação também jurídica. Esses comportamentos reprováveis, em larga medida, significaram vantagens especiais para alguns e prejuízos, pelo menos, para o erário público.

Ora, é um facto comprovado que Cavaco Silva fez transacções com a sociedade que detinha o poder sobre o BPN das quais retirou benefícios, cuja dimensão, em casos idênticos, não é comum. Basta isso, para ele ser ética e politicamente obrigado a explicar com clareza, descrevendo com detalhe e transparência tudo o que se passou, por que razão é que as vantagens dessas transacções, neste caso, apesar das aparências, não configuram afinal qualquer favoritismo relacionado com os vínculos políticos e pessoais que o uniam aos responsáveis pelo buraco financeiro do BPN, ou qualquer lesão para os interesses da sociedade a que correspondiam as acções. Se o fizer, tudo ficará esclarecido, tudo poderá voltar ao normal. Mas se o não fizer, por completo, deixará que se adense sobre si próprio uma nuvem de suspeição crescente que está longe de contribuir para a salubridade da democracia em que vivemos. Insalubridade esta que, obviamente, resulta da existência de ocorrências nebulosas ou censuráveis, e não do facto de se falar delas.

E não esqueçamos que Cavaco sempre se apresentou como um ascético moralista, distribuindo amiúde fortes lições de uma ética republicana que diz partilhar e sendo pródigo a distribuir pelos portugueses incentivos a favor do esforço, da frugalidade e do espírito de sacrifício, pelo que não pode eximir-se ao imperativo de deixar absolutamente claro e inequívoco que, do ponto de vista pessoal, tem autoridade moral e política para insistir em tão virtuosas exortações.

Crispar-se, trovejar insultos contra quem lhe sugira o óbvio, deixar os seus apaniguados ocupar o espaço mediático com ruídos atabalhoados e com alegações atontadas, só pode adensar o clima de dúvida que tem vindo a crescer.

3. Mas os seus apaniguados, na sofreguidão do imediatismo, não só muitas vezes o desajudam, com algumas vezes o enterram.

Uma ilustração da fragilidade desses apaniguados foi dada através do pseudo-caso levantado a propósito de um texto literário da autoria de Manuel Alegre utilizado num Semanário como elemento de promoção do BPP, cujos contornos já foram completamente esclarecidos. Não está em causa a má-fé de tentar meter num mesmo saco duas situações completamente distintas. Está em causa o tom de reprovação e censura com que pretenderam envolver esse pseudo-caso, encarando-o como se ele fosse uma projecção simétrica do que eles próprios pensam sobre o comportamento de Cavaco.

De facto, se pretendem compensar o envolvimento de Cavaco Silva num certo episódio com a alegação de um outro episódio envolvendo Manuel Alegre, sobre o qual fazem um juízo negativo, ainda que despropositado, isso significa que também avaliam negativamente esse comportamento do primeiro. Na verdade, se estivessem convencidos que aquilo sobre que Cavaco se cala não era susceptível de suscitar qualquer juízo negativo, não invocavam como seu contraponto um facto sobre o qual emitiram um juízo de valor também negativo.

4. Não há pois, neste caso, qualquer campanha negra conta ninguém, mas apenas uma necessidade de serem esclarecidos os contornos de um negócio em que participou um candidato a Presidente da República que, aliás, concorre a um segundo mandato.



QUE GENTE SOMOS NÓS


Que Presidente é este que pôs no seu governo os ladrões do Banco Português de Negócios? Os que depois fizeram do BPN, a que o Presidente esteve sempre estreitamente ligado, um casino com uma roleta viciada, em que o Presidente e família ganharam, em semanas, o suficiente para comprar três ou quatro casas para os desgraçados portugueses que, por causa de gente desta, ficaram sem abrigo. E sem emprego. 
Que gente somos nós se deixarmos que transformem o país num imenso BPN – um descomunal casino , em que dirigentes políticos comandam ou cobrem os que comandam as roletas viciadas que lhes enchem os bolsos, a eles e aos seus cúmplices, com o dinheiro extorquido aos pobres portugueses que somos? 
Pobres e estúpidos, se permitirmos que gente desta nos governe. E que continue a roubar, sob a capa dos impostos, os pobres que somos – está estatisticamente provado que um em cada cinco portugueses vive abaixo do limiar da pobreza. 
Que Presidente é este que quer continuar a sê-lo e nos propõe para o futuro a atitude do medo: curvar a cabeça perante o Banco Internacional de quem somos credores, e não abrir a boca, que ele pode zangar-se e ainda subir mais os juros! 
Vivemos, os da minha geração e de Manuel Alegre, os que sofremos perseguições e exílio, o medo de Salazar e da PIDE. Hoje acenam-nos com outro papão, mais angustiante ainda do que esse porque não tem cara nem contorno. 
Não nos contentemos com cantar-lhe a canção que o expulsa “de cima deste telhado”, expulsemo-lo com o poder que o nosso voto nos dá.Que gente somos nós se deixarmos que seja eleito um Presidente que cauciona e nos propõe mesmo uma tal sujeição?      

Teresa Rita Lopes, cidadã apartidária desde sempre.


Sindicalistas com Manuel Alegre 
Uma candidatura presidencial define-se pela conjungação de diversos factores, políticos, ideológicos, sociais, culturais, programáticos e até conjunturais. Um deles, seguramente um dos mais significativos, é o que reflecte a relação existente entre um candidato e os trabalhadores, com particular relevo para os activistas, quadros e dirigentes que dão vida quotidiana aos sindicatos. Por isso, me parece importante transcrever um texto sobre o documento "Um Compromisso entre Manuel Alegre e os Trabalhadores", recebido da direcção de campanha do candidato , que nos diz o seguinte:
"Manuel Alegre assinou um documento de compromisso com cerca de uma centena de dirigentes sindicais da CGTP e da UGT, no qual promete usar todos os seus poderes para defender os direitos sociais e os serviços públicos, intitulado “Um compromisso entre Manuel Alegre e os trabalhadores”, tendo o candidato presidencial recebido o apoio destes sindicalistas.
O candidato deixou uma garantia aos dirigentes sindicais: “Se for eleito Presidente da República ninguém contará comigo para pôr em causa o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública, a segurança social pública ou os direitos sociais”.

Manuel Alegre compromete-se assim
“a usar todos os poderes presidenciais para defender a democracia, direitos políticos e direitos sociais, para defender os serviços públicos, para defender os valores do 25 de Abril que estão consagrados na Constituição da República”. O candidato compromete-se ainda a lutar por defender “o direito dos jovens à esperança num futuro que garanta a dignidade humana, só plenamente alcançável com o direito ao emprego”.
Portugal precisa do Presidente Manuel Alegre.
“Nós, sindicalistas e activistas sociais, comprometidos com o mundo do trabalho, a defesa do Estado social e dos direitos dos trabalhadores, identificamo-nos com este candidato que tem uma visão humanista de Portugal e não uma visão contabilística. Um homem para quem as pessoas são pessoas e não números.”

Este documento foi assinado por dirigentes sindicais como Delmiro Carreira (Presidente do SBSI – UGT), Carlos Trindade (Dirigente do STAD – Com. Executiva CGTP), António Avelãs (Presidente SPGL – FENPROF), Paulo Sucena (Presidente Conselho Geral SPGL – FENPROF), Carlos Silva (Presidente SBC – UGT), Guadalupe Simões (Sindicato Enfermeiros), Manuel Camacho (Presidente UGT/Lisboa), Mário Jorge Neves (Presidente da Federação Nacional dos Médicos), Ulisses Garrido (Com. Executiva CGTP), António Chora (CT Autoeuropa), Rui Godinho (Presidente UGT – Setúbal), Óscar Antunes (Presidente SITEMA - UGT), Ana Paula Viseu (Presidente Mulheres/UGT) e a histórica dirigente socialista da UGT, Wanda Guimarães, entre outros".
Rui Namorado


As presidenciais e o discurso da direita neofascista

Elísio Estanque
Sociólogo, apoiante da candidatura de Manuel Alegre

Jornal Público, 31.12.2010

Ou a esquerda perdeu definitivamente as suas defesas ou é o clima instalado, de desgaste e saturação dos valores democráticos, que começa a instigar os novos arautos da direita proto-fascista do século XXI. Seja como for, estamos num ponto de indefinição e de viragem particularmente preocupante. Mas as épocas de crise têm pelo menos o condão de demarcar posições e separar as águas. A actual contradição não é apenas entre a esquerda e a direita, mas também entre a memória e o esquecimento e entre o futuro da democracia e o regresso ao elitismo fascizante. O momento crítico que se vive na Europa não se compadece com a atitude persecutória dos que, além de não possuírem nenhum passado político já se arrogam o direito de agredir e julgar na praça pública os que lutaram e arriscaram a vida para nos devolver a liberdade.   
Vem isto a propósito de dois artigos de opinião de Rui Ramos (RR) e Henrique Raposo (HR), publicados no jornal «Expresso» (18/12/2010), qual deles o mais agressivo e demagógico no branqueamento do salazarismo e no desrespeito perante quem corajosamente lhe resistiu. Não por acaso, o ataque é contra Manuel Alegre. Falar do passado, ou melhor, ter um passado e assumi-lo torna-se, na linguagem destes fazedores de opinião, a “exploração comercial da mitologia antifascista” (RR), enquanto se considera que “às portas de 2011” (sic) lembrar o salazarismo, a PIDE ou o antigo regime é qualquer coisa de absurdo, e de todo incompatível com “as ideias europeias de 2010” (HR). Na mesma linha doutrinária, uma outra pérola de RR é-nos oferecida no mesmo jornal (Expresso, 23/12/10) com a demonstração de que as leis laborais foram concebidas para “expropriar os proprietários” quando, segundo este “expert” em direito do trabalho, o que é preciso é deixar de ver “a propriedade como um crime” e “tratar as partes contratantes como iguais”. Perante isto, até Belmiro ou Amorim, que reconhecem direitos aos trabalhadores, parecem autênticos gonçalvistas (!) e a Alemanha, a França ou os países nórdicos são concerteza países comunistas. Eis uma “questão ideológica” que faria inveja a António Ferro.
Por outro lado, não sei o que sejam as “ideias europeias de 2010”, de que fala HR. Primeiro, porque foram as ideias e as políticas dominantes na Europa e o modelo neoliberal que nela vingou nas últimas décadas que conduziram ao estado em que estamos; ou seja, como toda a gente sabe, o que infelizmente se assiste na Europa actual é ao bloqueio de soluções democráticas para a UE e ao reforço do autoritarismo do mais forte (a Alemanha). Segundo, porque, as propostas alternativas ao paradigma dominante competem com as forças ultraliberais e alguns genes autoritários adormecidos que parecem querer despertar no actual cenário de crise. As novas ideias europeias que precisamos devem ajudar-nos a que o passo seguinte seja em prole do progresso, da igualdade, da coesão e da justiça social e não do retrocesso a uma matriz conservadora e liberal. Seria cómico se não fosse trágico. O “provinciano complexo” de inferioridade da direita (pelo menos de uma certa direita) está a promover o clima populista e o “vazio ideológico” que pode fazer ressurgir a mais perigosa das ideologias: abrir o campo a um novo “salvador” pretensamente imune às ideologias. O povo tem memória. E a memória colectiva tem de permanecer no debate público.
 Mas, o que é especialmente inquietante é que a campanha em curso de ataques soezes contra Manuel Alegre, como é o caso destes, tem como objectivo não apenas branquear a importância do nosso passado histórico recente, mas igualmente estender a passadeira ao candidato Cavaco Silva, o economista e ex-Primeiro Ministro cujas responsabilidades políticas no processo português de adesão à UE devem ser lembradas (no momento em que assistimos ao seu falhanço). É como se possuir uma trajectória pessoal de combatente pela democracia e pela liberdade tivesse, de repente, passado a constituir um estigma inaceitável. É como se não possuir qualquer passado de luta tivesse, de repente, passado a constituir o acréscimo de autoridade para que a eleição presidencial se torne um passeio, um mero acto burocrático ou plebiscitário.
A um mês das presidenciais não há prognósticos credíveis, tal como não os há quanto às prováveis rupturas e viragens que se adivinham na Europa e no Mundo. Mas, o discurso demagógico destes pregadores – que não tiram da cabeça os pesadelos do PREC – prova que os clichés e radicalismos do passado estão a renascer das cinzas e revela bem as obsessões fantasmagóricas da direita neofascista.  
 
OS DOIS CAVACOS
A campanha para as eleições presidenciais continua a rolar, tão discretamente quanto possível, ao sabor dos poderes fácticos mediático-conservadores.
Nela deslizam dois Cavacos. Um, luminoso e institucional rodeado de figuras públicas, banhado melancolicamente pelo fado, desportivo entre os jovens, ostentando os galões de uma alegada competência como economista, piedoso perante as desgraças, vertendo uma lágrima furtiva pelos pobres e abandonados, avô de todas as crianças, moderníssimo na sofreguidão do ciberespaço. É o nosso presidente a navegar através das nossas angústias como um barco de serenidade. Arauto imodesto das suas vastíssimas virtudes é a segurança em forma de gente, embrulhada na bandeira nacional. É o vencedor coroado passando continuamente pelo seu arco do triunfo.
Mas há um o outro que, pouco a pouco, se vai afirmando como a sombra indelével do anterior. É um Cavaco hirto, tropeçando tenso nas palavras, escondendo ex-amigos debaixo do tapete, ficcionando glórias de governo num esforço para apagar a memória dos atalhos, por onde nos conduziu. Desliza como um felino pelas dificuldades da conjuntura, feroz e hipócrita para com os adversários internos, ronronante bichano perante os poderes fácticos internacionais que querem pôr um garrote no futuro do nosso país. Percorre os territórios densos da cultura, com o visível embaraço dos visitantes acidentais. Quando a pressão aperta, deixa vir à superfície a marca ostensiva da direita histórica que tão meticulosamente tem guardado no baú dos seus segredos.
Caminha através do seu próprio discurso como se fugisse dele. As suas palavras são folhas secas que desenham Outonos, mesmo quando revestidas pela previsibilidade do jargão mediático e pelo que há de mais “kitsch” no senso comum. As agências de imagem fazem tudo para o salvar. Em vão. As suas palavras atropelam-se com mais frequência, os seus gestos tornam-se mais hirtos, os seus discursos vivem em labirinto. As agências de imagem não desistem: esvaziaram-no meticulosamente da sua incerta humanidade, da contingente carne e do incómodo sangue. E aí está um candidato empalhado, movendo-se aos soluços numa sofreguidão de votos, distante de si próprio, reinventado pela direita numa saudade mórbida.

Estas dois Cavacos caminham a par no trajecto para as eleições presidenciais. O mais luminoso foge metodicamente da sombra que o persegue. O mais lunar não abandona a presa; e, como sombra que é, está sempre próximo e ameaçador.

Talvez não cheguem a encontrar-se, mas se isso vier a acontecer, o mais provável é que se abra um inesperado buraco negro político na direita portuguesa, ficando assim o povo em condições de poder respirar melhor.

Rui Namorado

  
Nobre: o homem de Beirute

O Dr. Nobre esteve em Beirute: eis a irreprimível memória. Não se sabe bem a fazer o quê, mas certamente foi algo de louvável e corajoso. Congratulemo-nos.

O Dr. Nobre é um sacrificado e faz questão de o lembrar a cada momento. O Dr. Nobre é amigo dos pobres, dedicou a vida aos sinistrados e aos feridos. É certo que não chega a ser uma madre Teresa de Calcutá de calças. Mas será que tanto lhe podia ser exigido?
Alguém um dia confidenciou uma sua fraqueza: quando se olha ao espelho fica ufano e não resiste a perguntar: “espelho meu, há alguém mais ONG do que eu ?” Consta que o espelho lhe respondeu:” Não és um franciscano descalço arrastando-se esfomeado por entre tendas, em solidariedade para com os oprimidos, mas és muito ONG! “

É pois natural que o Dr. Nobre seja uma daquelas almas satisfeitas consigo próprias, que pairam muito acima da política dos mortais. É a sua história que o sussurra: quando o Salazar estava em Portugal, moendo-nos a paciência, ele espreguiçava-se, distante, na Bélgica. Outros, menos etéreos, políticos empedernidos, lá derrubaram o fascismo. Resolveu então vir até cá. Gostou. Ficou. Fez muitas coisas úteis que talvez nem ele consiga apagar por mais que as instrumentalize numa sofreguidão de popularidade.

Mas algo ocorreu no Olimpo do Dr. Nobre que o fez descer das alturas para o comércio rasteiro da política normal. E foi assim que , mesmo abominando a política normal, cheia de ideias , de luta de paixões, de interesses que se contradizem de esperanças que se opõem, não resistiu à tentação de entrar nela como turista.
E foi assim que se aproximou hoje de Durão Barroso, para depois migrar para Mário Soares, aventurando-se mesmo a frequentar o esquerdismo do Bloco de Esquerda. Forte dessas experiências de versatilidade , tentou a cambalhota suprema : apoiou ao mesmo tempo António Costa, em Lisboa e António Capucho, em Cascais. E rodeou toda essa versatilidade quanto a republicanos, de uma monárquica vassalagem, dentro da causa real, ao herdeiro do miguelismo, perante o qual curvou reiteradamente a espinhela numa comovente deferência.

Terá sido num dos seus passeios turísticos pela política normal, que tanto abomina, que alguém lhe terá dito: “Ó homem, você é o candidato presidencial ideal. Esteve em Beirute, é o rosto da AMI, já se aninhou nos mais diversos nichos político-partidários, sabe dizer dez palavras seguidas com convicção e pode fazer com denodo aquele velho choradinho do “sou português” e “gosto muito dos desgraçadinhos”. E , acima de tudo, pode fazer aquela clássica rábula dos políticos que fazem política como se a detestassem.

E assim nasceu o candidato Nobre. Podia ter sido o candidato do queijo da serra ou outra figura folclórica qualquer, deixando na campanha um rasto de boa disposição. Mas o seu ego não lho consentiu. Ele era muito maior do que isso. Ele era o “MAIOR”.E resolveu levar-se a sério na campanha. Falou uma, duas, três vezes; esgotou o guião elementar das grandes ocasiões e voltou ao princípio repetindo-se, uma e outra vez. E foi essa reiteração que estragou tudo. De facto, por detrás das palavras que foi dizendo acabou por ganhar evidência a raiz política do que ia proclamando.

Trovejando independência, arrasando o sistema político, queixando-se dos eleitos como se eles fossem os culpados psicológicos das características objectivas do tipo de sistema económico em que vivemos, talvez se tenha julgado um anjo vindo do céu da política, forte da companhia de imaginários deuses, para vir reduzir a pó os castelos de areia dos pobres mortais.

Mas se o apolítico Nobre tivesse um vestígio de cultura política , uma grão de conhecimento sobre a história das posições que se enfrentam no mundo em que vivemos, há muito que teria percebido que o seu discurso atrauliteirado e primário ostenta um evidente código genético que o identifica como uma variante previsível e tosca da velha ideologia reaccionária do populismo de direita.

E é essa neblina que o esconde de si próprio que faz com que o candidato Nobre ande à pedrada contra os vidros da democracia, sem perceber que aquilo que atira são pedras e que aquilo contra o qual as atira é a própria democracia. É por isso que, embora o candidato Nobre tenha estado em Beirute, seja um “ONG” conhecido e um médico sem fronteiras reputado, politicamente é aquilo que há de mais parecido com um nulo.

Rui Namorado

Como votar nas eleições de presidenciais? 
 
Por Rui Graça Feijó
 
O voto "não", ou seja, o voto nulo, não parece ser a via adequada para atingir os objectivos propostos.

Escreveu o professor José Tomaz Castello Branco nas paginas do PÚBLICO um artigo em que sustentava a necessidade dos eleitores de centro-direita descontentes com o modo como Cavaco Silva desempenhou as suas funções como Presidente da República se fazerem ouvir nas próximas eleições presidenciais, goradas como foram as tentativas de fazer surgir um candidato que verdadeiramente os representasse. Não me situando nessa área política, não posso deixar de vir a terreiro discordar da solução preconizada para o efeito: o voto "não", ou seja, o voto nulo por uma só e simples razão: essa não parece ser a via adequada para atingir os objectivos propostos

Não creio que assista razão ao professor Castello Branco porquanto se o eleitor "usar o seu boletim de voto para nele expressar um rotundo ""não"", esse voto, que simbolicamente pode ser aliviador de tensões psicológicas, será politicamente lido como um voto nulo - e não é seguramente legitimo vir considerar que o número de votos nulos seja espelho de qualquer sensibilidade política definida, pois em todas as eleições há votos nulos por variadíssimas razões. O mesmo se pode afirmar em relação a qualquer tentativa de apropriação política dos votos em branco, várias vezes tentada, outras tantas falhada. Além disso, votos nulos não são, em todas as eleições, considerados como votos validamente expressos, e por isso não contam quando se tratar de apurar o resultado final (ou, no caso específico das presidenciais, quando se trata de apurar se haverá ou não a tal segunda volta que diz desejar). Aliás, nas eleições presidenciais (e aqui em contraste com o que se passa nas restantes), também o voto em branco não conta como voto validamente expresso (vide artigo 10, numero 1 da lei eleitoral para o Presidente da República que diz taxativamente: "Será eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se considerando como tal os votos em branco") Se não fosse essa a determinação da lei, o candidato Cavaco Silva teria disputado uma segunda volta em 2006, uma vez que os seus 2.773.431 votos ficavam 121 votos aquém dos votos somados por Manuel Alegre, Mário Soares, Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Garcia Pereira, acrescidos dos votos em branco: 2.773.552. Por isso, voto nulo, voto em branco e abstenção são instrumentos de expressão política diversas que, nas eleições presidenciais, resultam no mesmo: não são tidos nem achados no fazer das contas.

Neste cenário, há duas hipóteses de contribuir para que haja uma segunda volta - uma forte, outra fraca. A hipótese fraca é a que consiste em usar formas de expressão que não acrescentem votos a Cavaco Silva, e que se pode revestir de qualquer das três formulas já indicadas: abstenção, voto em branco ou voto nulo. O seu valor eleitoral é idêntico: contam zero no apuramento de votos! Nunca poderão ser reivindicados como votos a favor ou contra qualquer das candidaturas. A outra, essa sim com força política, consiste em usar o voto de forma táctica - e essa só pode consistir em expressar um voto válido noutro dos candidatos em liça. Se o objectivo do apelo do professor Castello Branco, como o de muitos eleitores desagradados com o modo como Cavaco Silva exerceu o seu mandato, era o de contribuir para "não andar por aí a passar cheques em branco", e contribuir para que haja uma segunda volta nessas eleições, creio que a fórmula que propugna não é a mais adequada. Só o voto num dos candidatos que se opõem a Cavaco Silva é um instrumento positivo para assegurar tal desígnio. Historiador e politólogo, apoiante da candidatura presidencial de Manuel Alegre




Défice de competência

Autoria de um leitor do Jornal Público, em resposta ao artigo do Prof. Elísio Estanque, já publicado no blog "O populismo de uma candidatura"

Quero cumprimentar Elísio Estanque por ter trazido a público a verdade sobre a candidatura presidencial de Fernando Nobre no seu artigo de opinião publicado no sábado 23 de Outubro de 2010. A sua perspectiva, contudo, é a de quem está de fora da candidatura, pelo que permito-me complementá-la com a opinião de quem esteve dentro dela, como voluntário e apoiante, e observou o que lá acontece.
A candidatura de Fernando Nobre não é um espaço de democracia ou participação. Longe disso: é uma candidatura no seio da qual se usam métodos que envergonhariam o próprio Lavrent Beria para calar os que se atrevem a criticar o que corre mal na campanha (e é quase tudo...) e se movem processos de intenções contra os mesmos críticos - que recebem insultos gratuitos, proferidos publicamente e da forma mais soez possível, como resposta a críticas sensatas e pertinentes. Os críticos são apodados de sabotadores, e as observações por eles feitas são interpretadas como "chantagens", "insultos" e "provocações". É uma candidatura inteiramente em contradição com o discurso do candidato, que me faz temer pelo que aconteceria com a Presidência da República, se os portugueses sofressem de um fenómeno colectivo de alienação mental e elegessem o candidato Fernando Nobre para Presidente da República.
As pessoas que tomaram conta da campanha têm um défice manifesto de competência, como o prova o facto de as intenções de voto no candidato terem descido de 9% em Abril para os actuais 4,9%; e, pelo que vi dentro da candidatura, a tendência é para que esta descida continue. A candidatura é de um amadorismo patético que poderia ser perdoado pela falta de experiência e pela ausência de apoios significativos, mas as cúpulas da candidatura são constituídas por gente que, para além de dar provas sobejas da sua incapacidade, demonstra nada ter que ver com os valores que apregoa. Por exemplo, estive presente numa reunião onde um responsável distrital anunciou - embora sem o apresentar como algo definitivo - que estava a ser equacionado o apoio de Avelino Ferreira Torres à candidatura de Fernando Nobre.
Em face deste descalabro da candidatura, atrevi-me, com outros voluntários, a criticar a forma como esta estava a ser conduzida; a resposta veio no dia 21, no mural do Facebook da candidatura, pelo punho do próprio candidato, apodando-nos de "sabotadores" e fazendo uso de uma linguagem vulgar e grosseira que esperaria da parte de um qualquer hooligan, mas não de um professor universitário. (...) Com pessoas destas, não surpreende que a candidatura tenha perdido o ímpeto inicial e vá culminar num resultado ridículo no próximo dia 23 de Janeiro de 2011. Merece-o.



O Presidente Cavaco vai recandidatar-se à Presidência da República. O mais conhecido oráculo da direita portuguesa tinha já anunciado o dia e a hora da revelação, quando ambos ainda eram secretos. Mas nem mesmo ele se lembrou de inventar, como novidade, aquilo que toda a gente sabia: Cavaco queria suceder a Cavaco.
Foi em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Bem vestida, num reluzir de jóias e gravatas, uma plateia solene e sonolenta, ouviu um rosário de palavras previsíveis, com a distância aquiescente de quem está seguro da sua importância. Entusiasmo, era uma discreta ausência. Os aplausos quase melancólicos. Ali, reinou apenas a naftalina da esperança.
O novo candidato, no entanto, assegurou ser honesto e trabalhador. Registamos, embora algo espantados por ele ter sentido necessidade de o dizer.
O novo candidato vai poupar nos gastos de campanha, não ultrapassando metade do montante que a lei autoriza. Numa voz de quase soluço, alega o respeito pelas dificuldades que vivemos como a sua motivação. Aplaudiríamos com todas as mãos, se esse candidato não ocupasse o lugar que ocupa, beneficiando assim de uma exposição mediática que torna insignificante o papel de uns tantos cartazes espalhados pelo país. Um perfume de cinismo ou de hipocrisia pareceu pairar.
O novo candidato tem um único partido: Portugal. E quem não é do mesmo partido que ele, apoiando, por exemplo, um outro candidato, poderá ainda ser considerado como português? Pergunta-se --- com o incómodo de quem surpreende, de novo, a pairar sobre nós, os milhafres do nacionalismo mais reaccionário e a nuvem negra do patrioteirismo mais hipócrita.
O novo candidato fala verdade, não mente. E não mente porquê? Porque, diz ele que foge como o diabo da cruz de ilusões e utopias. Utopias, sim. Foi isso que ele disse. E, talvez sem querer, ele mostrou desse modo o cerne da sua identidade mais funda: ele é o candidato anti-utópico.
Enfim, lá se foi ouvindo uma mistura triste de todos os artefactos ideológicos da direita portuguesa, consubstanciados na aspiração a repetir um mandato, que revelou que o único desígnio prático relevante do candidato, era o de evitar que esteja à frente do Estado português um Presidente da República oriundo da esquerda. Se a relação de forças política lho permitir sem risco, certamente que fará mais, que fará o que puder para conforto da direita. Se assim não for, pelo menos, continuará a fazer o que já fez. E se achar ter chegado um novo momento de conspiração contra o PS, semelhante à intentona das escutas a Belém, terá talvez mais cuidado ou mais engenho; ou talvez apenas mais cuidado na escolha dos artistas que mande para o terreno.
A direita portuguesa e os poderes de facto já salivam abundantemente, atrás de uma aliciante cenoura com que o destino lhes parece acenar: uma maioria, um Governo e um Presidente. Eis o que é um sonho para alguns, mas um pesadelo para o país. Por isso, o melhor é jogar pelo seguro, evitando desde já que Cavaco seja reeleito, o que só se evita, vencendo-o.

Depois do anúncio formal da candidatura de Cavaco Silva fomos dormir descansados: tanto na televisão como online os comentadores queixavam-se de que era mais do mesmo.

Jornal de Negócios
Marina Costa Lobo,
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com

Que aborrecido tinha sido, uma mão-cheia de lugares comuns. Nada de novo.

É que parecia que estava tudo preparado, não era? A coisa ia correr mais ou menos assim: Cavaco Silva anunciava a sua candidatura. Prometia estabilidade e competência numa altura turbulenta. Dava garantias no cargo de contínuo entendimento com o Governo, mas temperado com uma magistratura activa. Eduardo Catroga, seu ex-ministro das Finanças e principal negociador do Orçamento nos últimos dias, estaria presente na selecta plateia para ouvir e aplaudir o agora candidato presidencial, sinalizando que o acordo orçamental estava assegurado. Mesmo o simples facto de as negociações terem sido hoje (ontem) convocadas para ter lugar na Assembleia da República augurava fumo branco. O acordo seria apresentado como testemunho do empenho do Cavaco Silva para o progresso e a credibilidade externa do País.

Mas eis que, às 11 horas, foi anunciado que as conversações fracassaram. O PSD irá fazer uma declaração mais logo, onde vai indicar se se irá abster ou não. Perante estes desenvolvimentos, o Presidente da República acabou de convocar uma reunião do Conselho de Estado para a próxima sexta-feira.

Quem vai ser responsabilizado por este fracasso? Qual dos dois, PS ou PSD vai sofrer mais do ponto de vista político com este desfecho? Tanto Eduardo Catroga como Teixeira dos Santos fizeram declarações importantes defendendo a sua boa vontade e a intransigência do lado oposto. Sem sabermos qual a posição final do PSD sobre o Orçamento de Estado é inútil estar já a fazer considerações sobre estas questões. Deixemos pois os partidos, Passos e Sócrates de lado por um momento. Politicamente, para já, como é evidente, temos um primeiro grande derrotado. É Cavaco Silva, enquanto Presidente e enquanto candidato. Mas mais do que isso, enquanto símbolo do consenso político em torno dos objectivos do País.

Cavaco Silva foi incapaz de moderar um entendimento entre os dois maiores partidos, ao qual se propôs, e com o qual se implicou directamente. Ao longo dos últimos meses em que Passos Coelho foi acirrando as posições contra o Governo, e que o Governo foi ultrapassando as metas de défice que originalmente se tinha proposto para 2010, sabia-se que Cavaco Silva considerava um entendimento entre estes partidos fundamentais para o futuro do País. Cavaco disse-o, várias vezes. Perante a indiferença de Passos Coelho a estes apelos, houve vários membros do PSD próximos do Presidente, tal como Manuela Ferreira Leite ou Paulo Rangel, que defenderam publicamente que o PSD devia comportar-se de forma responsável. Portanto, este fracasso significa que a influência do Presidente junto do seu partido é reduzida ou nula. E mesmo junto de um Governo minoritário que não tem apoios junto de outros partidos do seu bloco ideológico. Além disso, Cavaco Silva arriscou dar o pontapé de saída da sua campanha em cima deste acontecimento, passando uma mensagem subtil para o eleitorado de que o Presidente tem um papel interventivo, decisivo e positivo nos destinos do País. Expôs-se e mostrou-se, falhando. Este falhanço terá por isso de ser colocado aos seus pés, tanto como seriam os louros, no caso de um acordo ter sido conseguido.

Mas é evidente que se trata de mais do que de um simples falhanço pessoal, do Presidente e do candidato. A ser assim, de resto, podia não ter muita importância. O que quebrou explicitamente aos olhos dos eleitores foi Cavaco enquanto símbolo de uma certa ideia para Portugal. A de um consenso político em torno da convergência com a União Europeia. Deixou de haver plataforma de entendimento entre PS e (este?) PSD sobre esse assunto, que tem sustentado o regime nos últimos trinta anos."


O populismo de uma candidatura

Jornal Público, 23/10/2010

Elísio Estanque
Sociólogo,
Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

O Dr. Fernando Nobre (FN) desdobrou-se em entrevistas nos últimos dias (As Beiras, 13/10/10; Expresso, 16/10/2010), nas quais elege como principal adversário o candidato Manuel Alegre (MA), o que, de resto, é compreensível, sendo ele um homem com fortes referências monárquicas e de direita, enquanto MA é um conhecido republicano, socialista e de esquerda.
As afirmações e insinuações de FN são reveladoras do tipo de referências em que se inspira e do seu vazio ideológico. Evidencia todo o populismo que subjaz ao senso comum mais ingénuo quando reproduz o velho lema de que “os políticos profissionais” são incompetentes, reivindicando para si a personificação da mudança (ele seria a “lufada de ar fresco”, presume-se) e acusando os actuais protagonistas de estarem no poder há 30 anos, de beneficiarem de reformas “vitalícias” (imagina-se que a sua própria reforma será “a termo certo” como nos contratos de trabalho precários) e de terem chauffeur particular, quando ele próprio é, supostamente, a emanação directa e espontânea da “sociedade civil”, esse nome pomposo que os dirigentes de ONGs gostam de invocar para enaltecerem a sua acção de beneficência (e justificar os volumosos fundos que gerem).
O pretensiosismo deste discurso demagógico poderia, caso o Dr. FN fosse um candidato para levar a sério, ofender todos os políticos actuais. Ou melhor, todos não, porque, embora proteste contra a classe política, há um político que está acima de qualquer suspeita. Mas a vénia que dedica a esse exemplo de “boa colheita” ajuda a explicar o rancor contra MA. Este, é acusado de ser o candidato de Francisco Louçã e de ter “traído o seu próprio partido” (na anterior eleição presidencial). Não importa para o caso que a maioria dos eleitores do PS tenha votado em Alegre, ignorando a decisão da direcção do partido. Decisão que FN tanto respeita para o passado como desrespeita no presente.
O desfecho das presidenciais está ainda rodeado de incertezas. Quando as sondagens têm vindo a revelar um Cavaco Silva (CS) em quebra, aproximando-se do limiar da segunda volta, não deixa de ser curioso que FN – para quem os previsíveis cinco ou seis por cento “já é muito” (sic) – apareça agora a virar a sua bateria na direcção de MA, ao mesmo tempo que, note-se, suaviza claramente a crítica a CS. Isto numa altura em que outras respeitáveis figuras se desdobram em elogios ao actual presidente e em apelos ao bloco central. O momento crítico em que hoje nos encontramos (com um orçamento que pode ser ou não aprovado) não nos permite fazer prognósticos sérios, sendo que quanto mais a conjuntura de curto prazo vier a exigir maior intervenção do presidente em exercício, mais o resultado da próxima eleição presidencial permanecerá em aberto. O clima de instabilidade que paira no ar só pode acrescentar incerteza àquilo que já era muito incerto.
As debilidades e riscos que a democracia enfrenta requerem a mobilização da sociedade e a participação dos cidadãos conscientes, mas isso não se confunde com o ataque generalizado à classe política, como faz FN, seguindo aqui a direita mais conservadora. A resistência emancipatória (sindical ou outra) não se confunde com acção caritativa, assim como os combates da esquerda em defesa do Estado social e da sua eficácia não se confundem com as queixas de “excesso de gordura”.
Por fim, as acusações de incoerência parecem anedóticas, sendo FN um ex-militante da causa monárquica que ainda há um ano e pouco foi mandatário nacional do Bloco de Esquerda, e que esteve com Mário Soares na sua malograda candidatura de 2006. Terá esta candidatura sido engendrada para mobilizar a “sociedade civil”, ou antes para usar o populismo contra a esquerda e contra Manuel Alegre?

ELISIO ESTANQUE
Investigador do Centro de Estudos Sociais http://www.ces.uc.pt/investigadores/cv/elisio_estanque.php
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Os cinco cavacos

Cavaco Silva apresenta hoje a sua recandidatura. Foi ministro quando eu tinha 11 anos. Pode sair da Presidência quando eu tiver 46. Ele é o maior símbolo de tantos anos perdidos. E aqui se fala das suas cinco encarnações.
Daniel Oliveira (http://www.expresso.pt/)

Sem contar com a sua breve passagem pela pasta das Finanças, conhecemos cinco cavacos. Mas todos os cavacos vão dar ao mesmo.
O primeiro Cavaco foi primeiro-ministro. Esbanjou dinheiro como se não houvesse amanhã. Desperdiçou uma das maiores oportunidades de deste País no século passado. Escolheu e determinou um modelo de desenvolvimento que deixou obra mas não preparou a nossa economia para a produção e a exportação. O Cavaco dos patos bravos e do dinheiro fácil. Dos fundos europeus a desaparecerem e dos cursos de formação fantasmas. O Cavaco do Dias Loureiro e do Oliveira e Costa num governo da Nação. Era também o Cavaco que perante qualquer pergunta complicada escolhia o silêncio do bolo rei. Qualquer debate difícil não estava presente, fosse na televisão, em campanhas, fosse no Parlamento, a governar. Era o Cavaco que perante a contestação de estudantes, trabalhadores, polícias ou utentes da ponte sobre o Tejo respondia com o cassetete. O primeiro Cavaco foi autoritário.
O segundo Cavaco alimentou um tabu: não se sabia se ficava, se partia ou se queria ir para Belém. E não hesitou em deixar o seu partido soçobrar ao seu tabu pessoal. Até só haver Fernando Nogueira para concorrer à sua sucessão e ser humilhado nas urnas. A agenda de Cavaco sempre foi apenas Cavaco. Foi a votos nas presidenciais porque estava plenamente convencido que elas estavam no papo. Perdeu. O País ainda se lembrava bem dos últimos e deprimentes anos do seu governo, recheados de escândalos de corrupção. É que este ambiente de suspeita que vivemos com Sócrates é apenas um remake de um filme que conhecemos. O segundo Cavaco foi egoísta.
O terceiro Cavaco regressou vindo do silêncio. Concorreu de novo às presidenciais. Quase não falou na campanha. Passeou-se sempre protegido dos imprevistos. Porque Cavaco sabe que Cavaco é um bluff. Não tem pensamento político, tem apenas um repertório de frases feitas muito consensuais. Esse Cavaco paira sobre a política, como se a política não fosse o seu ofício de quase sempre. Porque tem nojo da política. Não do pior que ela tem: os amigos nos negócios, as redes de interesses, da demagogia vazia, os truques palacianos. Mas do mais nobre que ela representa: o confronto de ideias, a exposição à critica impiedosa, a coragem de correr riscos, a generosidade de pôr o cargo que ocupa acima dele próprio. Venceu, porque todos estes cavacos representam o nosso atraso. Cavaco é a metáfora viva da periferia cultural, económica e politica que somos na Europa. O terceiro Cavaco é vazio.
O quarto Cavaco foi Presidente. Teve três momentos que escolheu como fundamentais para se dirigir ao País: esse assunto que aquecia tanto a Nação, que era o Estatuto dos Açores; umas escutas que nunca existiram a não ser na sua cabeça sempre cheia de paranóicas perseguições; e a crítica à lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo que, apesar de desfazer por palavras, não teve a coragem de vetar. O quarto Cavaco tem a mesma falta de coragem e a mesma ausência de capacidade de distinguir o que é prioritário de todos os outros.
Apesar de gostar de pensar em si próprio como um não político, todo ele é cálculo e todo o cálculo tem ele próprio como centro de interesse. Este foi o Cavaco que tentou passar para a imprensa a acusação de que andaria a ser vigiado pelo governo, coisa que numa democracia normal só poderia acabar numa investigação criminal ou numa acção política exemplar. Era falso, todos sabemos. Mas Cavaco fechou o assunto com uma comunicação ao País surrealista, onde tudo ficou baralhado para nada se perceber. Este foi o Cavaco que achou que não devia estar nas cerimónias fúnebres do único prémio Nobel da literatura porque tinha um velho diferendo com ele. Porque Cavaco nunca percebeu que os cargos que ocupa estão acima dele próprio e não são um assunto privado. Este foi o Cavaco que protegeu, até ao limite do imaginável, o seu velho amigo Dias Loureiro, chegando quase a transformar-se em seu porta-voz. Mais uma vez e como sempre, ele próprio acima da instituição que representa. O quarto Cavaco não é um estadista.
E agora cá está o quinto Cavaco. Quando chegou a crise começou a sua campanha. Como sempre, nunca assumida. Até o anúncio da sua candidatura foi feito por interposta pessoa. Em campanha disfarçada, dá conselhos económicos ao País. Por coincidência, quase todos contrários aos que praticou quando foi o primeiro Cavaco. Finge que modera enquanto se dedica a minar o caminho do líder que o seu próprio partido, crime dos crimes, elegeu à sua revelia. Sobre a crise e as ruínas de um governo no qual ninguém acredita, espera garantir a sua reeleição. Mas o quinto Cavaco, ganhe ou perca, já não se livra de uma coisa: foi o Presidente da República que chegou ao fim do seu primeiro mandato com um dos baixos índices de popularidade da nossa democracia e pode ser um dos que será reeleito com menor margem. O quinto Cavaco não tem chama.
Quando Cavaco chegou ao primeiro governo em que participou eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. Quando saiu eu já tinha 26. Quando foi eleito Presidente eu tinha 36. Se for reeleito, terei 46 quando ele finalmente abandonar a vida política. Que este homem, que foi o politico profissional com mais tempo no activo para a minha geração, continue a fingir que nada tem a ver com o estado em que estamos e se continue a apresentar com alguém que está acima da política é coisa que não deixa de me espantar. Ele é a política em tudo que ela falhou. É o símbolo mais evidente de tantos anos perdidos.

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